segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Todos diferentes


Nunca entendi muito bem o conceito de “aluno terrível!”
Indisciplinados, turbulentos, provocadores, extrovertidos, ainda vá, agora “terrível”…!
O que existe, as mais das vezes, é uma falta de interiorização, de entendimento, sobre o seu papel na escola, enquanto local de aprendizagem e sociedade onde está inserido.
Será o papel do professor, seja qual for a sua área ou grau, o de o fazer tomar consciência disso e de o levar a actuar em conformidade (consigo mesmo e com o social).

Numa turma de 3º ano (equivalente ao 12º), tinha um “aluno terrível”.
A turma, porque do curso de marketing, tinha um interesse abaixo de mínimo pelo audiovisual, suportando-o porque fazia parte do currículo. Este aluno (chamemos-lhe João) teria então os seus 19 anos. Bem vestido e bem parecido, as garotas estavam “caídinhas” por ele. Com boa facilidade de aprendizagem, os seus resultados era pouco menos que brilhantes. Mas tudo isto apenas lhe alimentava a auto-estima, tornando-o no palhaço do grupo: todas as suas piadas arrancavam gargalhadas, todas as suas observações eram escutadas e seguidas e ele fazia por se manter no centro do mundo. Fora e dentro de aula!
Numa ocasião, em que o trabalho era apoiar os projectos individuais de cada um dos alunos, ele estava mais energético que o habitual. Não havia forma de o fazer ingressar no grupo, respeitando o trabalho, senão o meu, pelo menos os dos colegas. Foi uma hora difícil de passar.
Já no pátio, consumindo os nossos cigarritos, o meu olhar cruzou-se com o dele. A inspiração foi de momento e chamei-o de parte. De chamamento em chamamento, saímos os limites da escola, para a rua.
Aí perguntei-lhe:

“-João, estamos fora da escola?
-Sim! E então?
-Então vai p’ro cara….!”

Foi como se tivesse levado um murro no estômago. Nunca aquele rapaz, dito “betinho”, esperaria que um prof o tratasse daquela forma.
Sem lhe dar tempo a recuperar o fôlego, expliquei-lhe o mal que estava a provocar aos seus companheiros, não permitindo, com as suas parvoíces, que eles tirassem o rendimento das aulas que podiam e deviam. Que a sua popularidade e facilidade em aprender não lhe davam o direito de estragar a vida dos seus colegas. Que as suas palhaçadas e chistes, mais que engraçadas eram tristes, pois que demonstravam o seu desprezo pelos demais da sociedade. Da sua sociedade!
Acabada a “lição de moral”, regressamos ao pátio como bons amigos.
Evidentemente que o João não mudou de personalidade. Mas via-se, nas minhas aulas e soube que nas demais também, que havia um esforço para se controlar, para se conter e ser mais integrado no grupo.

A direcção pedagógica nunca soube deste episódio, ou eu teria ouvido das boas. Esta não é forma de tratar os alunos. Porque anti-pedagógica, porque fora das regras, porque poderia ofender a individualidade do aluno e os pais virem queixar-se…
Mas a questão põe-se no facto de cada aluno não ser um número, não ser uma regra. É uma pessoa e há que criar a ponte necessária para que essa pessoa seja parte útil no colectivo sem perder a sua individualidade. Esta ponte, que funciona nos dois sentidos, tem que permitir que cada aluno possa dar o que tem e pode dar, recebendo do colectivo o que pode e deve receber e aprender. E as pontes são sempre em função das margens e dos rios que atravessam.

Em pedagogia não há formulas: há resultados.
E se os fins não justificam os meios, estão lá perto, aplicando o processo adequado a cada indivíduo. E o papel do professor vai muito para além dos conteúdos programáticos, emanados ou não de um ministério.
É isso que os alunos esperam de nós.


Texto e imagem: by me

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