quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Amor sem barreiras


No café aqui da rua, cada mesa tem as suas características próprias.
Umas são bem no meio da sala, a meia distancia de tudo (balcão, sanitário, maquina de cigarros). Outras localizam-se junto às janelas, com o que isso implica de jorros de luz e de vista sobre o que acontece na rua. Mas esta é única! Perto da porta e do balcão, recebe o ar da rua, quente ou frio, dependendo da estação.
É o local predilecto de algumas pessoas, a ponto de, em estando ocupada quando chegam, mudarem-se para ela em vagando. Recordo, assim de repente, um velhote que ali vai ao cafezinho e bolo que a usa a meias com um cãozinho quase de bolso, pachola e divertido. Sentam-se cada um na sua cadeira, o maior bebendo o café e comendo metade do que encomenda, que o partilha com o canito.
Claro que estas escolhas de mesa foram bem alteradas com as regras de fumadores/não fumadores. Sendo que este estabelecimento não tem zona de fumadores, as escolhas mudaram um pouco, sendo mais frequente os que chegam e consomem ao balcão, rapidamente, para depois passarem para soleira da porta para o cigarrito da consolação.
Caso mais raro, eu diria que único, é o de uma senhora, que por sinal, até reside no meu prédio.
Chega ela e o companheiro. Pedem um café para ele, uma italiana para ela. Mas, enquanto ele fica ali, encostado ao balcão/vitrine, bebericando da chávena, ela pega nesta e vai para o pequeno patamar da entrada. E faz aquilo que apetece a muitos de nós, que é partilhar a bica com um cigarro. E que é raro ver quem o faça, não sei se por vergonha, se por hábito se por pressa.
E é tanto mais curioso observar este casal quanto, além de novos na rua, têm origens bem diferentes e provocam alguma maldicência de coscuvilhice.
Ambos já na casa dos quarentas, ele com a cabeça à moda, completamente rapada, com uma barriga que ainda tem que crescer um bom bocado para chegar aos níveis da minha. Ela esguia, loira, com aspecto e sotaque de quem vem do leste europeu, suspeito que Ucrânia ou Rússia.
A sua ida ao café é sinal da primeira saída de casa, juntos e de mãos dadas com também é raro de ver. Tal com é raro de sentir o muito forte aroma de colónia ou aftershave que ele deixa ao estar ou passar.
Mas parecem tão bem um com o outro, tão felizes, que o olhar que deitei a quem trabalha no café quando fez um comentário ácido sobre aquele relacionamento esfriou por completo a vontade de os repetir.
Esta mesa, só de duas cadeiras, mesmo à entrada do café e a receber este solzinho outonal agradável está feita mesmo para eles, que poderiam ficar um com o outro no meio da multidão.
E quando os vejo a afastarem-se, de mãos tão dadas quanto à chegada, fico satisfeito por continuar a ver que os afectos continuam a não ter barreiras de idades ou origens e de continuarem de orelhas moucas aos preconceitos dos demais!



Texto e imagem: by me

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