domingo, 24 de agosto de 2008

Vazio


Este recanto vazio faz parte de uma saída de emergência lá, onde trabalho. Usamo-lo, nas pausas, como local de fumadores, caso não chova. Em vindo o mau tempo, logo se verá como faremos.
A uns cem metros daqui, em linha recta, fica a nossa cantina. Em fim-de-semana, a meio de Agosto, está quase tão vazia quanto este pátio. E foi lá que me sentei para almoçar, não tanto para tomar uma refeição, mas mais para meter o combustível necessário ao dia de trabalho.
Vazio que estava, acabei por ficar numa mesa grande, de uns dez lugares, a uns bons metros de distancia de qualquer outra ocupada. De frente para a janela, sempre ficava com a ilusão de não estar ali preso, quando tantas outras coisas interessantes e apetecíveis há para fazer lá fora.
Na mesa ocupada mais próxima, alguns companheiros e companheiras almoçavam como eu e aproveitavam o tempo para conversar. No caso, sobre os assaltos violentos e as intervenções policiais mais ou menos eficazes, mais ou menos violentas. No quase silencio daquela grande sala de refeições, não podia deixar de ouvir, quisesse ou não.
Um dos comensais ia argumentando que, no caso do assalto ao banco BES, todos elogiavam o desfecho do assalto, com a libertação incólume dos reféns (hoje diz-se, polidamente, sequestrados). Com muita ironia, ia dizendo que ninguém referia que um dos atiradores da polícia tinha falhado o tiro, já que, dos dois bandidos, um deles não tinha morrido logo ali. E acrescentava que as forças decisoras ultrapassam a lei, decidindo a morte de gente num país onde a morte de alguém é condenada e punida e onde a pena de morte não existe.
Fiquei a pensar nisto, não podendo discordar, e perdi o fio à conversa. Apenas o recuperei quando o mesmo afirmou, em tom mais alto e apontando para mim:
Até aquele, que é de esquerda, está a beber Coca-Cola!
Fiquei furioso, ou triste, não sei bem!
Não tanto por ter afirmado que estava com aquela beberagem. Aliás, em tom jocoso e de cumplicidade, retorqui-lhe que estava com prisão de ventre que aquilo era um remédio santo para tal maleita.
Mas o que me perturbou foi o rótulo de “ser de esquerda”!
Não basta já a questão dos rótulos, que definem com algum rigor o rotulado, sem deixar azo a segundas interpretações ou alternativas. Teria que ser de esquerda, num tempo em que o ser se conota com uma atitude de contestação, de anti-americanismo, de pró-socialismo, de proximidade com partidos e ideologias tipificadas e esteriótipadas.
Não! Não sou de esquerda nem de direita ou de centro! Nem mesmo de cima ou de baixo!
Sou mais daquele ponto do espaço político onde a hierarquia, a existir, é a da competência e capacidade, onde cada ser vivo é-me tão próximo e importante quanto a minha mão ou umbigo e onde existe uma única elite, composta de todos os Homens.
Que, a partir do momento em que existe um rótulo e quem com ele se identifique, existem outros que dele estão fora, criando logo diferenças e níveis de importância. E, com isto, “Todos seremos iguais, mas uns mais que outros!
O único espectro político a que posso pertencer assemelha-se a este pátio: em regra vazio mas que, quando ocupado, somos realmente todos iguais – fumadores e nada mais! Seres humanos com as suas fraquezas e virtudes mas assumidamente iguais!


Texto e imagem: by me

Sem comentários: